Serra da Leba (ou como uma estrada pode ser vertigem e poesia ao mesmo tempo)
A Serra da Leba não é só uma estrada. É um momento. Um daqueles instantes em que a paisagem decide mostrar tudo de uma vez. Quem lá passa, desacelera — ou porque tem medo, ou porque não quer que acabe.
É uma fita de alcatrão recortada à mão sobre a encosta da montanha, como se alguém tivesse descido com um pincel, desenhando curvas com paciência de escultor. Vista de cima, parece um bordado. Vista de dentro, é uma dança entre o volante e a vertigem.
Ligando o planalto da Huíla ao litoral do Namibe, a estrada da Leba é uma proeza de engenharia, sim — mas também de emoção. Porque ali, entre o céu e o abismo, o coração bate mais forte. E não é só por causa das curvas apertadas. É porque o mundo, de repente, parece demasiado belo para ser real.
A certa altura, se se parar (e deve parar-se), o silêncio faz-se ouvir. Um silêncio alto, quente, cheio de vento e altura. Lá em baixo, muito lá em baixo, o chão estende-se como se estivesse a descansar. E lá em cima, as nuvens às vezes tocam as encostas, como quem acaricia a serra com os dedos do céu.
É um lugar de passagem, claro. Mas também de contemplação. Há quem reze antes de descer. Há quem tire fotografias. Há quem chore — não de medo, mas de espanto. Porque a Leba, com as suas curvas, não leva apenas de um ponto ao outro: leva de dentro para fora. É um espelho da alma.
Os que a conhecem, falam dela como se fosse gente. “A Leba hoje está calma”, dizem. Ou: “A Leba está com nevoeiro, é melhor esperar.” Como se fosse uma senhora caprichosa, altiva, e com razão: não é qualquer estrada que tem este efeito nas pessoas.
E quando se chega cá abaixo, depois da última curva, depois do último olhar para trás, há um suspiro. De alívio, talvez. Mas também de saudade antecipada. Porque já se sabe: há lugares que ficam connosco, mesmo quando já os deixámos para trás.
A Serra da Leba é um desses lugares.
