O Bacalhôa Buddha Eden não é apenas o maior jardim oriental da Europa. É uma paisagem escultórica desenhada para a introspecção, uma experiência sensorial onde o excesso e a contemplação coexistem num equilíbrio frágil. Situado no Bombarral, entre vinhas e colinas suaves, este jardim-memorial nascido da destruição das estátuas de Bamiyan, no Afeganistão, é também uma tentativa de reconstrução espiritual através da arte.
À entrada, somos recebidos por uma sucessão de Budas dourados e de pedra, de olhos semicerrados e posturas serenas, que parecem guardar não apenas o espaço físico, mas também um certo silêncio interior. É um cenário que oscila entre o cenográfico e o sagrado, como se fôssemos convidados a abandonar o mundo lógico e abraçar uma lente mais contemplativa.
Mas nem tudo é paz e espiritualidade. Existe uma teatralidade quase barroca na repetição das formas, nos milhares de soldados de terracota coloridos que se alinham em fileiras, rígidos e silenciosos. Aqui, o jardim não pretende apenas homenagear tradições orientais — recria-as com exuberância, quase com uma fé performativa na sua dimensão simbólica.
Mais adiante, a arte africana irrompe na paisagem como uma interferência telúrica. As esculturas do povo Shona, do Zimbabué, oferecem um contraste estético e emocional: são mais rudes, mais tácteis, mais orgânicas. Evocam a espiritualidade da terra e do corpo, contrapondo-se à leveza transcendental do budismo.
O Buddha Eden é também um lugar de paradoxos. A sua beleza é, por vezes, excessiva, quase artificial — e, no entanto, profundamente eficaz. É um espaço onde se passeia entre lagos com carpas, escadarias monumentais, pagodes de traço chinês e gramados amplos, com a sensação constante de estar num cenário cinematográfico, mas onde é possível encontrar momentos autênticos de contemplação.
Ao mesmo tempo jardim, manifesto e miragem, o Bacalhôa Buddha Eden é uma paisagem imaginada onde a arte é usada como ponte entre continentes, entre culturas e entre estados de espírito. Se não nos disser nada, pelo menos perturba. Se não nos emocionar, pelo menos obriga-nos a abrandar.
Conceito de Vinho e Arte
Entre Budas, pagodes, estátuas de terracota e várias esculturas cuidadosamente colocadas entre a vegetação, estima-se que tenham sido usadas mais de seis mil toneladas de mármore e granito para edificar esta obra monumental. A escadaria central é o ponto focal do jardim, onde os Budas dourados dão calmamente as boas-vindas aos visitantes. No lago central, é possível observar peixes KOI e dragões esculpidos que se erguem da água como símbolos de protecção e energia vital.
Numa das áreas mais inesperadas, a arte moderna surge como um desvio estético que quebra a rigidez cerimonial do espaço. O percurso entre esculturas contemporâneas convida a uma fruição diferente: mais livre, mais intuitiva, mais próxima da linguagem ocidental da abstracção. A curadoria parece jogar com contrastes, integrando peças que ora dialogam, ora provocam o ambiente circundante.
Outro núcleo marcante é o dedicado ao povo Shona, do Zimbabué. Há mais de mil anos que este povo esculpe pedra à mão, numa tradição onde arte e espiritualidade se fundem. Acreditam em espíritos ancestrais conhecidos como “Vadzimu”, e as suas esculturas expressam essa conexão entre o mundo físico e o espiritual. Aqui, cada peça é como um fragmento de um ritual antigo, que sobrevive através da pedra — uma energia telúrica que dá continuidade ao diálogo multicultural do jardim.