As Above, So Below, lançado em 2022, é uma obra que encapsula a essência da jornada pessoal e artística de Sampa The Great. Neste álbum, a artista zambiana mergulha nas profundezas da sua identidade, explorando as complexidades da diáspora africana e a reconexão com as suas raízes. A fusão de hip-hop, ritmos tradicionais africanos e elementos de soul cria uma paisagem sonora rica e envolvente, reflectindo a diversidade das suas experiências.
Desde os primeiros acordes, percebe-se que este não é um álbum convencional. Faixas como “Bona” e “Never Forget” destacam-se pela autenticidade e profundidade lírica, abordando temas de memória, pertença e resistência. Em “Lane”, Sampa assume a sua multiplicidade com uma crueza quase teatral, misturando vozes, texturas e batidas num hino de libertação criativa. “IDGAF” surge como um manifesto de autoafirmação sem rodeios, com uma produção minimalista mas impactante, que reforça cada verso com força crua e inegociável.
A colaboração com a lendária Angélique Kidjo em “Let Me Be Great” serve como um poderoso encerramento, simbolizando a passagem de testemunho entre gerações de músicos africanos e a celebração de uma herança cultural partilhada. É mais do que uma canção — é um ritual de coroação, uma oferenda de ancestralidade em forma de música, onde a espiritualidade se entrelaça com a identidade de forma orgânica e emocionante.
A capa do álbum é uma representação visual da dualidade presente no título. Sampa é retratada em poses que evocam tanto a elevação espiritual como a ancoragem terrena, rodeada por símbolos que remetem à tradição e à modernidade. Esta imagem reflecte a essência do álbum: uma harmoniosa integração entre o passado e o presente, o interno e o externo, o acima e o abaixo.
Estrutura e Ritmo
O álbum apresenta uma estrutura coesa, onde cada faixa flui naturalmente para a seguinte, criando uma narrativa contínua. A produção é meticulosa, equilibrando sons orgânicos e electrónicos, resultando numa sonoridade simultaneamente intemporal e contemporânea. As transições suaves entre músicas e os interlúdios cuidadosamente posicionados reforçam a sensação de jornada introspectiva que permeia todo o trabalho.
As batidas, muitas vezes inspiradas em sonoridades do sul de África, misturam-se com melodias envolventes e texturas experimentais. “Mask On” apresenta uma batida que evoca rituais antigos, enquanto “Can I Live?” equilibra o peso da expectativa com a leveza da liberdade criativa. O ritmo do álbum é pulsante mas nunca apressado — há espaço para respirar, sentir e absorver cada nuance emocional.
Emoção e Profundidade
As Above, So Below é profundamente emotivo, com Sampa a oferecer uma performance vocal que transmite vulnerabilidade e força em igual medida. As letras são introspectivas e poéticas, abordando temas como identidade, espiritualidade e empoderamento. A honestidade presente nas suas palavras ressoa com o ouvinte, criando uma ligação genuína e duradoura.
Ao longo do álbum, a artista explora o equilíbrio entre o que se mostra e o que se esconde, entre o que é esperado de si e aquilo que realmente é. Esta tensão, tratada com subtileza e coragem, faz com que cada canção funcione como um espelho emocional — tanto para Sampa como para quem a ouve. O poder do álbum reside justamente nessa capacidade de transformar questões pessoais em experiências universais.
Conclusão
Este álbum solidifica Sampa The Great como uma força inovadora no panorama musical contemporâneo. As Above, So Below não é apenas uma colecção de músicas, mas uma declaração artística que desafia fronteiras e celebra a riqueza da experiência africana. É uma obra que convida à reflexão, inspira autenticidade e reafirma o poder da música como ferramenta de transformação pessoal e colectiva.
Num tempo em que tantos artistas se perdem na fórmula, Sampa oferece-nos verdade. Oferece-nos África, oferece-nos resistência, oferece-nos beleza. E nesse gesto, lembra-nos que a arte, quando é honesta, é sempre um regresso a casa.
